Diário de bordo #2 - A "Luso"-Holandesa :: Nunca Antes Visto
Diário de bordo #2 - A "Luso"-Holandesa
Escrito por: Hugo Pais
Ir de Erasmus para um novo país é uma experiência singular na vida de um estudante para conhecer novas pessoas. Ao princípio tenta-se ver se alguém da nossa universidade, e que outros portugueses, vão para a mesma cidade. Depois, pensa-se que se vai conhecer muitas pessoas desse país. Mas depois chega-se ao destino, e as pessoas com que realmente se "socializa", são aquelas que estão na exacta mesma situação, ou seja, estudantes internacionais. É aqui que se estabelecem contactos com pessoas de todo o mundo. Sinceramente, acho muito mais interessante andar a conhecer pessoas de novos países e culturas, praticar o meu inglês, interagir com pessoas de realidades diferentes, do que conhecer (mais) portugueses. Devemos ser uns 10 estudantes portugueses de Erasmus, o que nem é muito grande comunidade por aqui. Conheci-os a todos, cumprimento-os e tal, mas fora o meu colega de universidade que já conhecia antes de vir de Erasmus, não são parte do grupo de pessoas a quem me afeiçoei mais por aqui. Já os Espanhóis, por exemplo, são capazes de serem uns 40, mas andam sempre em grupos, às vezes com uns não-espanhóis, mas provavelmente falam espanhol, pois eles bem que adoram a língua deles. Os gregos, idem: são capazes de ser o segundo país de onde vêem mais estudantes internacionais (por incrível que pareça, só acho que ficam atrás dos vizinhos da Holanda, os Alemães), e também andam sempre em grupo, sempre a falar grego. Claro que há excepções, mas falo por maioria. Eu, como já disse, socializo num grupo com alguma diversidade de nacionalidades. Só a acho limitada por sermos todos europeus, mas já por si não é nada mal.



Contudo, de todas estas interacções culturais, o que me desperta sempre mais o interesse é ouvir as opiniões estrangeiras sobre o nosso país. Ouvir a impressão que as pessoas têm do nosso país, o que conhecem e o que não conhecem, o que gostavam de conhecer, discutir futebol (sempre engraçado com um grego ou um alemão), etc.



É engraçado tanta gente que me pergunta de onde de Portugal sou eu, quando só conhecem Lisboa e Porto. Ah, e o Algarve, claro, capaz de ser tão conhecido como Lisboa (já conheci uma holandesa incapaz de me dizer a capital do nosso país mas a dizer que já tinha estado no allgarve). Quase nunca ninguém ouviu falar de Coimbra, mas que não seja por isso, que há uma primeira vez para tudo: é com todo o prazer, se essa pessoa assim o quiser, de que eu falo da minha cidade, de uma das universidades mais antigas da europa, da Latada, da Queima das Fitas, do Cortejo da Queima das Fitas, do Fado, da Académica, e mostro fotos, vídeos, etc. Aliás, já falei tanto do cortejo e da Queima, que já há alguns a dizerem que em Maio estão em Coimbra de certeza.



Como português, sinto que no estrangeiro dou um exemplo do nosso país no singular, que é depois generalizado para toda a população, de forma errada. Eu exempifico: eu chego atrasado a um encontro, e oiço um "Portuguese people are always late!". Provavelmente é verdade, mas poderão eles ter essa opinião de um país, só por me conhecerem a mim? Eu faço mesmo: o cinto de segurança tem que estar sempre bem apertado quando entro no carro de um amigo alemão que aqui fiz. Sempre com o pé no acelarador, e depois claro, lá sai de vez em quando um pensamento "German people are crazy drivers!".

O mais interessante e satisfatório é mesmo ouvir pessoas que já tenham ido a Portugal fazer turismo, e que me falem do bonito que acharam Portugal, do quão prestáveis e simpáticas são as pessoas, mesmo sem falarem muito inglês (ao contrário dos espanhóis, que segundo as mesmas pessoas, ficam extremamente desagradados se obrigados a falar inglês).

O caso mais interessante, uma história mesmo fantástica para mim, e que mostra que o nosso país tem valor, vem de uma Holandesa que conheci à pouco tempo. Estava no intervalo de uma aula, quando reparo nela, pois estava a tirar o seu telemóvel, duma bolsa de protecção (os preservativos para telemóvel), com as cores da bandeira de Portugal. Depois de alguma hesitação, pergunto-lhe se ela sabia sequer que aquilo era a bandeira de Portugal, desenhada na capa do telemóvel, ou se ela simplesmente tinha comprado aquilo a um marroquino porque achou bonito. Mas acontece que ela sabia muito mais do que isso... Ela só não sabia que aquilo era a bandeira de Portugal, como sabia falar português!



A história dela é muito interessante: depois de acabar o correspondente ao secundário na holanda, e antes de entrar na universidade, ela decidiu fazer um ano sem estudos. Algo que se devia fazer mais em Portugal: um ano sem estudar, para viajar, fazer um voluntariado, fazer coisas que depois de começar a universidade, e depois de acabar a mesma e consequente entrada no mundo do trabalho, se tornam impossíveis. Mas a pressa e ânsia em entrar na universidade ditam uma história diferente. Afinal, o nosso exame nacional tem a validade de dois anos, e este é o motivo mais válido que podem encontrar: dar-nos tempo (1 ano) para fazermos o que quisermos... E depois então entrar na universidade, e começar a última etapa de estudos. O que o pessoal geralmente faz, é entrar assim que pode na universidade, e andar o primeiro ano a passear. Ou os dois primeiros anos. Ou o curso todo. Países como Alemanha, Suiça, Grécia, ainda obrigam os estudantes a fazerem esta paragem, quer seja por serviço militar obrigatório, quer seja por trabalho comunitário obrigatório. O irmão de uma Suiça que aqui conheci está a passar aqui o primeiro semestre do ano lectivo precisamente por causa disso: já acabou o secundário, mas ainda não pode ir para a universidade: tem que fazer 6 meses de trabalho comunitário. Antes disso, aproveita a estadia da irmã na Holanda, e junta-se a ela. Aproveita para viajar, e tirar um curso de inglês e outro de Holandês. Depois para o ano, de volta à Suiça, e já com o serviço ao país cumprido, irá então iniciar a universidade.

Enfim, chega de divagar, voltemos à história da moça. Ela decide então fazer este interregno, e o que quer ela então fazer? Um voluntariado de 6 meses num país totalmente novo. E qual foi a escolha dela? Exactamente: Portugal. Passou 6 meses na Lousã numa instituição ligada a crianças, onde lhe pagaram estadia, alimentação e as viagens de avião. Aprendeu português, e teve, segundo ela, "the time of her life". Diz que adorou os portugueses e o quão simpáticos eram para com ela (mas isso talvez seja a falta de loiras jeitosas pelas zonas da serra...). Já foi à Queima das Fitas e achou o cortejo algo de único e espectacular, excelente para qualquer estudante com vontade de festejar sem motivo, até se cair para o lado. Adorou o nosso sol, as nossas vistas, as nossas cidades, as nossas pessoas... Detestou a nossa burocracia, que a impediu de ficar mais tempo em Portugal, pois era intenção dela entrar numa universidade portuguesa. Mas ela descreveu-me a imagem mais típica dos serviços portugueses, personagem por personagem: ela vai falar com A, que lhe dizem para ir falar com B, que lhe dizem para ir tratar do assunto com C, que lhe dizem que eram com os senhores de A com quem ela tinha que resolver o assunto. Apertada com a data e sem ver o processo a andar, lá teve ela que voltar à Holanda. E assim perdeu Portugal uma pessoa interessada no nosso país, devido a burocracias. Mas eu digo-vos: estive sempre com um sorriso nos lábios ao ouvir as palavras dela. O meu Portugal é apreciado lá fora, e de que maneira!


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Anonymous Vudu argumenta de forma nunca antes vista, dizendo...
Muito Bom!Muito bom mesmo..estou a ficar fã aqui do teu Diário de Bordo.Já viajei um bocado mas nunca tive a oportunidade de fazer Erasmus já que a faculdade em que me licenciei era uma merda nesse assunto (K Pariu o ISLA), mas esse aspecto de "o que é que eles pensam de nós" sempre foi o que mais me fascinou...

Muito bem...keep it coming e se continuares a caprichar assim acho que qualquer estamos todos a bater à tua porta.
24 de novembro de 2009 às 02:41  
Blogger Unknown argumenta de forma nunca antes vista, dizendo...
Muito bem. (:
24 de novembro de 2009 às 11:40  
Blogger Horizonte argumenta de forma nunca antes vista, dizendo...
Excelente post.

Também não me importava de um dia vir a fazer Erasmus.
24 de novembro de 2009 às 11:42  
Anonymous Anónimo argumenta de forma nunca antes vista, dizendo...
Gostei muito do teu post, MVP. A questão é: quantas espanholas/inglesas já comeste? O resto é conversa ;)

Agora falando a sério, nunca sequer pensei em fazer Erasmus, porque, por um lado, julgava que na minha Universidade não era prática comum e fácil de ser concretizada e, por outro lado, porque ouço desde há muito tempo o meu tio a dizer que um ano de Erasmus é um ano de passeio e um ano de roubalheira para os papás. Enfim, opiniões à parte, valorizo muito o contacto internacional como uma experiência pessoal e social enriquecedora. Por isso mesmo, acho que te deves estar a divertir muito por aí e, quando voltares, tenho a certeza que vais olhar para o nosso país e para o mundo em geral de forma bastante diferente. No entanto, não quero fazer Erasmus porque, em primeiro, não andamos a nadar em dinheiro (o meu primo pagava 750 euros por um T1 no Rio... E tinha de o dividir com outra pessoa) e, por outro lado, acho que pouco ou nada traria ao meu conhecimento e à minha capacidade de, no futuro, vir a ser um bom profissional. Como tal, não quero. Se algum dia me fartar da mesma monotonia de Portugal, aí emigro e começo um novo capítulo da minha vida. Mesmo que seja temporário. Mas apenas quando tiver a minha independência financeira e pessoal. Por agora não.

P.S: Estás em Amesterdão?
24 de novembro de 2009 às 22:17  
Blogger Hugo Pais argumenta de forma nunca antes vista, dizendo...
Last Rider, as carreiras que pretendemos seguir também são bem diferentes. Tens um futuro garantido na Saúde em Portugal, fazer Erasmus ou não, não te muda isso. Saires de Portugal para trabalhar no estrangeiro seria, com a falta de médicos em Portugal, uma verdadeira pena.

Eu, para além de ainda nem saber que tipo de profissão ambicionar, quando tiver o meu curso de economia (mas provavelmente o mestrado que escolher definirá isso melhor), acredito que ter mais possibilidades na Europa é mais interessante do que me restringir a Portugal. Acho mesmo uma mais valia no meu currículo estar lá a dizer que passei 6 meses numa Universidade de prestígio como a de Roterdão, que já agora, ocupa a posição cento e poucos no ranking da times, enquanto que a de Coimbra, com a melhor posição de Portugal, se fica pelos trezentos e poucos...

PS: Como já respondi, não estou em Amesterdão, mas sim em Roterdão. Acho que me perdia em Amesterdão, a ir todas as noites à Red Light Distrit :D
25 de novembro de 2009 às 13:49