Cólera III :: Nunca Antes Visto
Cólera III
Escrito por: Cão Vadio
Epidemiologia

Desde 1817 já ocorreram sete pandemias de cólera. As seis primeiras ocorreram entre 1817 e 1923 e foram causadas pelo biótipo clássico do V. cholerae O1. A primeira pandemia teve origem na Ásia e espalhou-se pelos outros continentes. A última pandemia teve início também na Ásia, na Indonésia, em 1961 e afectou mais continentes e países que as últimas seis pandemias. Este foi causado pelo V. cholerae O1 El Tor.
Já em 1992, uma nova epidemia surgiu em Madras, na Índia, como resultado de um novo serótipo, o O139. Neste momento esta estirpe poderá levar a que desperte uma nova pandemia, uma vez que já se disseminou pelo Bangladesh, Índia e outros países vizinhos (RH Lin, et al, 1997) até porque estes países conseguem ser responsáveis por grandes aglomerados de pessoas, como é o caso dos festivais hindus no rio Ganges ou a peregrinação anual a Meca, e nestas situações a possibilidade de disseminação deste organismo aumenta.
O número de casos aumenta normalmente com as epidemias e é afectado por condições ambientais, no entanto grande parte dos casos de indivíduos com cólera muitas vezes não são reportados às organizações de saúde, e por isso nunca há uma estimação correcta do número total de pessoas infectadas, de qualquer das formas a OMS mantém registos desde 1926.
Foram escolhidos ao acaso vários relatórios da OMS dos últimos anos. Na tabela em baixo relacionam-se o número de casos reportados nos diversos continentes e a sua evolução ao longo desses anos (WHO, 1996), (WHO, 1997), (WHO, 1999), (WHO, 2003) e (WHO, 2006), (WHO, 2009):


De acordo com os números da tabela são os continentes de África e a Ásia que registam maior número de casos desta doença, exceptuando os anos de 95, 96 e 98, onde também as Américas registaram um elevado número de casos. Com a melhoria das condições de saúde e saneamento básico, as Américas inclinam-se para a redução substancial desta doença e de outras transmitidas por organismos entéricos.
Estudos tornam evidentes a complexidade do processo de determinação da cólera e a importância dos determinantes sociais e do ambiente natural ou modificado na regulação da intensidade da produção e difusão da epidemia. Os factores relacionados com as condições de vida da população e condições ambientais precárias são assim frequentemente citados como os maiores obstáculos para o controle de surtos e epidemias por cólera (Gerolomo & Penna, 2000), e dado o número de casos sempre elevado nos continentes mais pobres são as condições ambientais precárias, o abastecimento de água insuficiente e sistemas de esgoto inadequados, os maiores obstáculos para o controle do desenvolvimento de surtos e epidemias por cólera. A evolução geográfica e a instalação da epidemia em determinados locais mostram que a mesma segue o curso da pobreza e da ausência de saneamento básico. Torna-se evidente que é impossível evitar a entrada do V. cholerae em qualquer comunidade, mas que ele não consegue disseminar-se e provocar surtos e epidemias em locais com boa infra-estrutura em termos de saneamento básico, particularmente no que diz respeito ao fornecimento de água potável de qualidade e em quantidades adequadas.

De acordo com a tabela abaixo, foi no ano de 1998 que se registaram o maior número de casos dos últimos anos, tendo vir a decrescer nos anos seguintes, de qualquer das formas o último relatório da OMS, data de 2008, demonstra que o número de casos tornou a aumentar, assim como o número de mortes.


De acordo com o Weekly Epidemiological Record do ano 1999 que se refere ao ano anterior, o ano de 1998 ficou marcado pelo aumento em quase 100% de casos de cólera em todos os continentes. Embora não tenha havido qualquer novo evento que possa ter contribuído para o aumento da transmissão (como movimentos populacionais ou catástrofes naturais), todos os continentes reportaram independentemente mais casos do que nos anos transactos (WHO, 1999). Foi Africa que registou o maior número de casos, tendo sido neste continente que se tenha registado o maior número de epidemias (República Democrática do Congo, Quénia, Moçambique, Uganda e Tanzânia). Nas Américas o número tende a decrescer com os anos, no entanto o número de casos aumentou de 17 760 em 1997, para 57 106 em 1998. Este aumento foi primariamente atribuído aos efeitos dos desastres naturais causados pelo fenómeno El Niño e pelo Furacão Mitch (WHO, 1999).
O aumento mundial de casos de cólera é considerado similarmente relacionado com as mudanças climáticas resultantes do fenómeno El Niño que criou condições favoráveis ao aparecimento de surtos em todo o mundo. A devastação resultante é tão severa que demorar-se-á décadas até que todas as infraestruturas e serviços básicos alcancem os níveis anteriores. Desta maneira o número de pessoas vulneráveis à cólera aumentou drasticamente, criando condições favoráveis ao aparecimento de uma crise global.


Conclusão


A cólera desapareceu quase completamente a meio da década de 50, mas reapareceu e disseminou-se pelo mundo durante as últimas décadas. A Organização Mundial de Saúde receia que uma mudança repentina no clima, combinada com a degradação das condições socioeconómicas da população mais pobre do mundo, poderá contribuir para um aumento da dispersão desta doença.
A crescente intensidade de cheias entre os períodos secos, representa as condições ideais para a difusão de doenças como a cólera. Em Nouakchott, capital da Mauritânia, localizada no deserto, as precipitações, quando ocorrem são acompanhadas de epidemias de cólera, especialmente em áreas pobres, onde os lixos não são tratados (UNEP/GRID-Arendal, 2008), (Fig.5).



Fig. 5 – Países com casos de cólera reportados entre os anos 2006 e 2008. (http://maps.grida.no/library/files/storage/the-spread-of-cholera-1950-2004.jpg)


Embora este quadro seja profundamente influenciado pelo nível de subdesenvolvimento e pobreza dos países, enquanto persistirem os problemas associados ao saneamento do meio ambiente, abastecimento de água (disponibilidade e qualidade), recolha e eliminação de resíduos sólidos e dejectos humanos, controlo efectivo dos alimentos, maus hábitos de higiene individual e colectiva dos cidadãos, falta de educação sanitária, e outros do âmbito da Saúde Ambiental dificilmente se conseguirá reduzir o impacto da morbidez e mortalidade desta doença. Também as infra-estruturas de saneamento em mau estado de funcionamento nas zonas urbanas e a gestão dos resíduos sólidos pelos Munícipes inadequada levam ao surgimento destas doenças.

Algumas regras básicas como as indicadas em panfletos (ver abaixo) podem diminuir quase por completo a incidência de casos de cólera:

Lave as mãos antes de cozinhar e depois de usar WC;
Trate a água com recurso a cloro, fervura, raios UV quando não há saneamento básico, nem confiança na fonte da água;
Tempere a comida com acidificantes (limões p. ex.);
Cozinhe bem os alimentos;
Coma os alimentos ainda quentes;
Previna que alimentos quentes contactem com alimentos frios;
Não coma frutas e vegetais crus;
Utilize equipamento pessoal de protecção (luvas, óculos, bata, etc.) no manuseamento de doentes e cadáveres;
Proceda a uma correcta eliminação das fezes, não as deixando ao ar livre.

Sendo que uma das últimas regras é bastante difícil de fazer cumprir dado que em algumas zonas dos países subdesenvolvidos, principalmente zonas rurais, o fecalismo a céu aberto é uma prática comum, mesmo sendo um verdadeiro atentado à saúde pública e ao pudor (Ministério da Saúde Moçambique, 2008).


Outras medidas de apoio que ajudaram e continuam a ajudar na diminuição da incidência dos casos de cólera a nível mundial e local:

Ajuda com recursos humanos e monetários aos países com cólera diminui riscos de cólera noutros países;

Programas sanitários de monitorização e testes a alimentos importados;

OMS controla cólera através do programa Global Task Force:

- Reduz mortalidade e doença;

- Fornece apoio para as consequências sócio-económicas da cólera;

CDC (Center for Diseases Control) e outros institutos;

Nações Unidas:

- Projecto Global para a monitorização da qualidade da água;

- Discute problemas globais em relação à qualidade da água em todos os continentes.

Referências
World Health Organization (WHO), Department of Communicable Disease Surveillance and Response, Report on Global Surveillance of Epidemic-prone Infectious Diseases – Chapter 4: Cholera, 2000.

Todar, K., Todar's Online Textbook of Bacteriology, Chapter: Vibrio cholerae and Asiatic Cholera, De: http://textbookofbacteriology.net/cholera.html, 2009.

Drasar, B. S. & Forrest, B. D., Cholera and the Ecology of the Vibrio cholerae, Chapter 1 - Vibrio cholerae, Chapman & Hall, London, 1996.

Handa, S., Cholera, eMedicine, De: http://emedicine.medscape.com/article/214911-overview, 2007.

Antunes, A., Cólera, 1º Centenário da Medicina Tropical, De: http://homepage.ufp.pt/pseixas/posgradIH/, 2006.

Nugent, M., Park, D., Perumalsamy, P., Vibrio cholerae, De: www.columbia.edu/cu/biology/courses/g4158/presentations/2004/Vibrio_Cholerae.ppt, 2004.

Rezende, J. M., Linguagem Médica: O Cólera, A Cólera, 3ª Edição, AB Editora, 2004.


Proctor, D., The Vibrio cholerae Toxin Co-Regulated Pilus & TCP-targeted Vaccine Development, Final Projects for BIO 360 Emerging Infectious Diseases, Biotechnology and World Health, De: http://www.science.smith.edu/departments/Biology/cwhitezi, 2004.

Cives, Centro de Informação em Saúde para Viajantes, Doenças Infecciosas – Cólera retirado de: http://www.cives.ufrj.br/informacao/colera/col-iv.html, 2008.

RH Lin, et al, Cholera caused by Vibrio cholerae O139 - A Case Report, Epidemiology Bulletin Vol. 13 No. 11, 1997.

World Health Organization (WHO), Weekly epidemiological record, Cholera 1995, No. 21, 24 May 1996.

World Health Organization (WHO), Weekly epidemiological record, Cholera 1996, No. 31, 1 August 1997.

World Health Organization (WHO), Weekly epidemiological record, Cholera 1998, No. 31, 6 August 1999.

World Health Organization (WHO), Weekly epidemiological record, Cholera 2002, No. 31, 1 August 2003.

World Health Organization (WHO), Weekly epidemiological record, Cholera 2005, No. 31, 4 August 2006.

World Health Organization (WHO), Weekly epidemiological record, Cholera 2008, No. 31, 31 July 2009.

The spread of cholera 1950-2004, UNEP/GRID-Arendal, 2008 retirado de: http://www.grida.no/

Gerolomo, M., Penna, M., Cólera e condições de vida da população no Brasil, Revista de Saúde Pública, vol. 34, nº.4, p. 342-47, Agosto 2000.

Manual de prevenção e controlo da cólera e outras diarreias agudas-capitulo I, Ministério da Saúde, Direcção Nacional de Saúde Pública, Moçambique, 2008.

Etiquetas: ,



[ VOLTAR AO MUNDO NUNCA ANTES VISTO ]

Não te esqueças de passar pelos nossos mais recentes artigos: